Luxo orgânico
- Ju Leijôto
- 16 de mai. de 2016
- 4 min de leitura

Sempre que descasco uma mexerica, vem aquele cheiro de infância...
Lembro logo de quando eu, a Lu (irmã do meio), minha mãe, avó, tias, tios e primos, ficávamos sentados nos degraus do galinheiro, pegando mexericas no pé e contando “causos”.
Era o terreiro (terreiro = quintal, lá em Minas) da casa da vó Aurélia, que assim como o lá de casa, era cheinho de natureza!
Lá em casa tinha pé de goiaba, de ameixa, de abacate, de acerola, pitanga, limão rosa, figo, mamão e mais alguma coisa! Tinham muitas flores e prevaleciam no caminho até a porta os hibiscos e as margaridas. Na hora do almoço, a gente buscava cebolinha fresquinha, salsinha, couve, alface, tomate cereja, beterraba e cenoura tudo ali na hortinha que meu pai cultivava. As vezes, ele passava o dia todo lá, com a roupa e as mãos barracentas, todo contente!
Na mesa; suco fresquinho de fruta do terreiro, arroz, feijão, muitas verduras e legumes. Não tinha carne todo dia e não fazíamos questão. Hoje sou vegetariana, mas acho que parte de eu deixar o consumo da carne, vem dessa infância cheia de sabores da terra. Aprendi muito cedo que os vegetais são os melhores amigos da nossa saúde.
Crescemos comendo tudo o que o mato pode oferecer de melhor. O terreiro era enorme, e quando as frutas e legumes não vinham de lá, meus pais traziam da casa de parentes e amigos, porque quase todo mundo tinha uma hortinha.
Da tia Titina, em Belo Vale, vinham jabuticabas, carambolas e romãs, o pai aparecia sempre com uns cachos enormes de banana, não sei de onde vinha tanta banana! Rss... Da vó Aurélia, as deliciosas mexericas, os maracujás e se não me falha a memória, chuchus. Ervas para chás, tinham aos montes! Eram raras as vezes em que precisávamos recorrer a uma quitanda para comprar vegetais.
Subíamos em árvores pra arrancar ameixas madurinhas do pé... Pisávamos descalços no mato, na terra, observávamos passarinhos. E olha nossa casa ficava (fica) num bairro bastante movimentado em Conselheiro Lafaiete - MG. Não morávamos na roça, não senhor... Rs.. Apesar de toda essa fartura de natureza.
Vivíamos num luxo e não sabíamos...
Tínhamos de graça, o que hoje geralmente paga-se uma fortuna para ter.
Mas chega de nostalgia.
Agora moro já há alguns anos em São Paulo capital, num bairro tipicamente urbano, metropolitano, cheio de prédios, carros, e negócios. Eu gosto pra caramba desse caos, juro!
Como disse, me tornei vegetariana, e então fiquei mais natureba ainda. Vivo correndo atrás de feirinhas e quitandinhas em que eu possa encontrar alimentos orgânicos, ou seja; cultivados de maneira natural, sem agrotóxicos e conservantes. É caro. É caro pra chuchu, literalmente.
Uma goiaba orgânica custa em torno de seis reais. Uma da feira, a de origem duvidosa custa geralmente a metade. A lá de casa era só arrancar do pé e comer, pendurada no balanço do pé de ameixa. (nostalgia!)
As feiras são repletas de alimentos vistosos que a gente não sabe se tem mais saúde ou doença ali dentro. Precisamos pesquisar muito para encontrar orgânicos em lugares acessíveis e baratos. É possível, mas não tem em toda esquina.
E nem tem terreiro, que aliás, ganhou outro nome por essas bandas. Não, não é “quintal”. Aqui quem tem quintal, é rei. Coisa mais difícil do mundo de encontrar em Sampa city. Os terreiros agora se chamam “gardens” e ficam dentro de prédios, em alguns apartamentos onde é possível liberar um espaço maior fora da caixinha. De cimento, óbvio.
Eu e meu noivo andamos olhando um esses dias. Estamos pensando na infância da nossa criança, que futuramente vai estar por aí. Sem falar na Maria (nossa filha felina) e nos outros bichos que pretendemos ter. Tanto eu, quanto ele, vivemos uma infância onde brincávamos com terra, debaixo de uma sombra de árvore, comendo frutas frescas. Pensamos que num garden tivéssemos ao menos um pouco do gosto de natureza em um canto da casa, onde pudéssemos ter uma mini-hortinha, frutas modestas e algumas plantas, sem morar longe do caos, digo, de nossos trabalhos.
Bom, vocês já devem imaginar que um apartamento com garden, em plena metrópole, é o olho da cara. Mas a gente sonha com esse luxo, o luxo orgânico.
É engraçado fazer esse paralelo entre nossa infância e os dias de hoje.
É engraçado perceber como o concreto engoliu São Paulo e está engolindo até mesmo, Conselheiro Lafaiete. Os espaços precisam ser ocupados por novas casas, os filhos crescem e as exigências também.
Lá em casa não tem mais mato faz tempo! A Jordana, minha irmã mais nova e que veio 10 anos depois de mim, pegou pouca coisa da hortinha. Meus sobrinhos já vieram em uma geração que para ver natureza, precisam passar finais de semana em um hotel fazenda.
Há de se refletir sobre o que estamos fazendo ao nosso ambiente e ao nosso corpo - cada vez menos..... .....orgânico?
Já existem exigências por aqui, de se construírem empreendimentos com jardins em torno dos prédios e em áreas comuns, para ver se nosso ar ficar mais respirável. Rs...
Tá meio em modinha os jardins suspensos, e também os gardens, caros pra chuchu.
Mas a gente tá looooooonge de colher goiaba e mexerica no pé facilmente.
Virou luxo ter terreiro, virou luxo comer vegetal de terra boa, virou luxo ter os privilégios humildes que a gente tinha naquela época.
E isso é só uma pequena e quase invisível parte, das inversões de valores que vivemos nesse século.
Você que tem terreiro, valorize e aproveite! Porque aqui, colega, isso é ostentação! Rs...
Só pra quem tem dindin pra comprar, ou mora em áreas rurais, longe de tudo.
Mas deixa eu te contar uma coisa? Lá na vó ainda tem terreiro e mexerica! :)
E lá eu pelo menos posso sentir cheiro de infância e me deliciar com as mais saborosas e saudáveis lembranças....
...Enquanto ainda tenho esperanças de que a agricultura no Brasil perceba de uma vez por todas, que o ser humano também é parte da natureza.
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